Sobre a nova fase da Primavera Árabe - A necessidade de uma nova democracia


Os últimos acontecimentos no Egito e na Líbia, assim como a situação na Síria e no Iraque, e a recente revolta do povo turco, que não é árabe mas acabou envolvido, são sinais claros de que os árabes precisam desenvolver um novo desenho de democracia. As revoluções têm fases, algumas mais curtas, outras mais longas, têm vais e vens, pois são momentos em que todas as forças políticas entram na arena de combate, disputando um poder que não está com ninguém.

A cada foça que exerce o poder corresponde uma determinada forma jurídica, seja uma Constituição, seja uma ditadura confessa. Não é por nenhum burocratismo que Mursi se esforçou tanto por aprovar uma Constituição odiada por seus opositores, e nem é a toa que o exército egípcio jogou no lixo esse Constituição na mesma declaração em que depôs Mursi. Agora, embora os trotskistas e outros lunáticos estejam vendo uma ditadura militar no Egito, o fato é que os militares estão tentando se legitimar, precisam de uma capa democrática.

A democracia que até agora existiu no Egito seguiu o desenho ocidental, o mesmo que temos no Brasil, em que o poder financeiro se impõe. As manifestações de massas no Brasil são um sinal claro de que o povo não reconhece como verdadeira essa democracia. Mas qual o problema que torna a situação ainda mais insuportável no Egito? É que junto com o poder econômico se impõe o poder religioso! O governo de Mursi era ao mesmo tempo neoliberal e fanático religioso, assim como o de Erdogan na Turquia.

A vitória de partidos muçulmanos nas eleições de tipo ocidental em países árabes não é nenhuma novidade. Em artigos anteriores, aqui e no São João del Pueblo, já lembramos o caso da Argélia, e previmos a possibilidade da situação egípcia evoluir da forma como evoluiu. A vitória de um partido religioso leva a população não fanática a apoiar qualquer saída, inclusive o golpe militar. Basta dizer que nem a Primavera Árabe levou os argelinos a questionarem o poder militar.

Sobretudo agora que a Irmandade Muçulmana foi derrubada no Egito, está em refluxo a fase religiosa da revolução que os árabes iniciaram em 2011. Também na Líbia a população está insatisfeita com o poder dos religiosos que destruíram o país aliados às potências estrangeiras. Os agrupamentos de fanáticos, divididos e incompetentes, não conseguem governar, nem deixam que ninguém o faça. Na Síria, ao contrário do que aconteceu na Líbia, os agrupamentos mercenários estão sendo derrotados. No Iraque o governo de partidos religiosos eleito em moldes ocidentais não consegue acabar com a guerra civil, que, pelo contrário, agora se agravou com as armas que o ocidente fornece aos terroristas na Síria. A Turquia não é um país árabe, mas seu governo é de um partido muçulmano e neoliberal, e o povo nas ruas o deslegitimou. Trata-se, igualmente, de um país com regime político de desenho ocidental.

Segundo Al-Asad, presidente da Síria, é a queda do "Islã Político". Sim, os partidos que atualmente compõem o Islã Político sofreram forte refluxo. Porém, é a queda também da democracia de tipo ocidental, capitalista, liberal, que se não funciona bem para nós, ocidentais, no Islã fracassa muito mais rápido, graças à força eleitoral dos partidos religiosos.

O povo, porém, está nas ruas, e volta a elas todas as vezes que não é satisfeito. Em outras palavras, a demanda por democracia existe como nunca existiu antes. A revolução dirigida por Nasser na década de 50 no Egito não tinha essa base de massas, assim como a revolução dirigida por Al Gadafhi, ambos movimentos quase puramente militares, que tentaram inventar democracias de cima para baixo. Agora é o povo que está nas ruas, enfrenta fanáticos religiosos e militares sem medo, e a democracia de tipo yanke não lhes serviu, pois lhes deu os Mursi, os Erdogan, o apagado governo iraquiano, e não consegue governar a Líbia, não resolve os problemas econômicos, é como aqui, fracassa em tudo.

Se quer ter poder, decidir o próprio caminho, o povo árabe terá que inventar uma maneira própria, outro desenho de democracia, em que o poder não seja do capital, nem manipulável por sacerdotes, duas coisas que se confundem no mundo árabe atual.

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